sexta-feira, 28 de junho de 2019

GERSON, meu irmão



GERSON VITAL DE MENDONÇA (26.04.1915 / 04.12.1985 ) – Nasceu em Urucurituba, município do baixo Amazonas.   Já expliquei em outros textos que,   até meus 12 anos de idade, fui levado a  acreditar que eles eram meus primos e não meus  irmãos.  Com o Gerson,  o mais velho e eu o caçula,  aconteceu diferente.
O   MEU  HERÓI  

Nos meus 4 para 5 anos de idade, fui ameaçado por um menino mais forte.   Eu disse que não tinha medo pois  o meu irmão, aí o chamei de irmão, era  do Exército e, se preciso fosse,  viria me defender  com fuzil, metralhadora e até  canhão.  Acreditaram até os que duvidavam pois me viram de mãos dadas com ele, num dia em que visitava Itacoatiara e vestia sua linda  farda de gala,  com  túnica e quepes brancos ornados com símbolos e botões dourados.  

                                                


SERVE AO EXÉRCITO, MUDA DE RESIDÊNCIA E TEM SUA PRIMEIRA PROFISSÃO

Gerson servia no 27º. Batalhão de Caçadores. Nessa época deu grande apoio ao papai, em 1934,  quando nossa mãe viajou,  gravemente enferma, de Itacoatiara  para Manaus.  Depois passou a residir em Rio Branco, capital do Território Federal do mesmo nome, hoje Estado Roraima. Nessa época, foi exposto  a doenças graves como malária, febre amarela e outras da região,  nas longas viagens por  rios e matas distantes da cidade, nas fronteiras com a Venezuela e Guiana , ex Inglesa.   Ao dar baixa do Exército, segundo informação de sua filha Vera Lucia, foi nomeado em 28/10/1939  Escrivão de Polícia do  Território Federal, e efetivado em 09/11/1948, exercendo suas funções com sua peculiar e reconhecida  dedicação.

O CASAMENTO – A PROTEÇÃO ÁS IRMÃS – A SAÚDE COMPROMETIDA    

  Casou-se em 27/04/1946  com  Raymunda Irene Dutra Martins,   parintinense,  professora eficiente, pessoa admirável,  séria e  serena ao  conduzir o lar com muito amor.  Eles sempre conviveram muito bem com a Da. Antonia, a querida Dona Antonica, a  quem o Gerson, em uma dedicatória,  chamou-a de “ minha querida sogra e verdadeira mãe”. Preocupado com o futuro das irmãs Tereza e Ermelinda, levou-as de Itacoatiara para Rio Branco, onde, através de concurso,  foram  admitidas como funcionárias do Governo do Território.  Não demorou, por volta de 1950, eles tiveram a saúde abalada por tuberculose.   A Ermelinda foi se tratar em  Belo Horizonte,  onde já se encontrava o irmão João Batista.  A Tereza, em outro momento eu explico, mesmo sem estar doente, arranjou um jeito de acompanhar a irmã.  O Gerson, passou por   BH e foi encaminhado para  o especializado   Hospital Alcides Carneiro,  em Correias,  distrito de Petropolis-RJ, local em que o clima era considerado como um dos quatros melhores  no Brasil, para esse tipo de tratamento.  Não tardou Irene apresentar alguns sintomas da mesma doença, foi para o Rio de Janeiro e logo depois para Correias ao encontro do esposo.   D. Antonica acompanhou a filha nessa mudança, deixando em Rio Branco as netas,  Vera e Gersirene, sob cuidados  seu filho Martins.

O ENCONTRO COM AS FILHAS e AS SUCESSIVAS MUDANÇAS

  Foram dois anos separados das crianças. Quando elas chegaram em Correias, em virtude da pouca idade e do distanciamento havido, um fato interessante aconteceu: as duas não reconheciam o Gerson como pai,   nem ele avaliava que  elas já estavam crescidinhas.  Num primeiro contato pela manhã chamou-as: -Venham tomar fefé.  E elas, rindo,   disseram:   engraçado, ele não sabe falar café!  O retorno a Manaus se deu meses depois do   nascimento do Antonio Sálvio, o  Salvinho,  em virtude de a família sentir-se  deslocada de seu habitat e com saudade de amigos e familiares.   Elizete nasceu dois anos depois quando  passaram a morar numa das poucas  casas de madeira, com quintal cheio de plantas frutíferas, num bairro em formação, o de São Francisco.  Em 1957 Gerson concluiu seu Curso de Contabilidade no excelente Colégio Solon de Lucena.   Não tardou,  Elizete e Salvinho começam a adoecer  com tanta frequência, a ponto de um médico sentenciar: vocês nunca deveriam ter saído do clima de Petrópolis onde se davam tão bem.  Nova mudança se tornou imperiosa para Petrópolis, onde nasceram Vânia e Maria Antonieta, a caçula Mariazinha.

NOVO CURSO, NOVAS ATIVIDADES e O VENCEDOR    
 
 Contando com parcos recursos  de uma licença saúde, corroídos pela inflação,  e com  filhos para criar, decidiu complementa-los  com venda de livros, tipo enciclopédias, Tesouro da Juventude e outras coleções. Em seguida, trabalhou como contador em um escritório no Rio.  Sofria muito com as viagens de ônibus,  de ida e volta pela sinuosa estrada da  Serra,  na época de mão dupla, sujeitando-se às  mudanças climáticas e se expondo aos constantes riscos de acidentes.  Fez, em seguida, um Curso de Secretariado para sentir-se apto em aceitar  o convite que lhe fora feito padre Luís Brasil Cerqueira, pároco da Igreja e   fundador  do  Liceu São José de Itaipava.  Distando  15 km de sua casa,  enfrentava, de ônibus, novos congestionamentos pela sinuosa Estrada União e Indústria, também  estreita e de mão dupla.  Sua dedicação e esmero ao trabalho o fez reconhecido como excelente Secretário, ao restabelecer a escrita do Colégio e mantê-la sempre em dia, cumprindo todas as exigências do Ministério da Educação.  Ao sair do Colégio, teve uma despedida emocionante pelo carinho recebido de  seus superiores,  colegas e funcionários. Anos depois, durante as  comemorações de 50 anos de existência do Liceu São José, o Gerson foi homenageado durante a sessão solene que contou com a presença de Diretores, Professores e Funcionários, oportunidade em  que foi realçado seu excelente trabalho, sempre com eficiência, disciplina e pontualidade, e  as sólidas amizades conquistadas nos 40 anos de convivência naquele Colégio.  Como convidada de honra esteve presente a  Irene, sua viúva, acompanhada  de seus filhos e demais familiares, com  os quais tive a felicidade de estar presente.
A NOSSA CONVIVÊNCIA...  

  se tornou bem maior quando mudamos para Niterói,  em 1965. Meus filhos tinham, e até hoje têm, imensurável amizade com os do Gerson.  Por vários anos, em nossas frequentes visitas a Petrópolis, sempre fomos recebidos com  especial carinho. Ele pensava em tudo para nos agradar. Vejam só.  Certa vez,  chegou a comprar discos de Silvio Caldas e Orlando Silva, para ouvirmos, evitando, no seu entender,  constranger-nos com aquela  “música barulhenta de uns cabeludos”,  enquanto as meninas  curtiam a radical mudança no estilo de música popular e dançavam o tempo todo,  diante da eletrola,  ao ritmo de  :  I want to hold you hand, Girls,  Michelle, Help, Yelow Submarine etc.    Por sua vez,  Irene  se preocupava em oferecer-nos farto almoço, ajudada por  d. Antonica que era infalível com  suas deliciosas empadinhas para o lanche, momento em que se divertia  ao me ver, a seu pedido, dançar uma valsa  com a  Juliana. O Gerson, disciplinador, era alegre, gostava de música, vez por outra tirava uns bons acordes ao violão ou ao piano.    Era  ponderado, um pai totalmente dedicado à família, severo porém bondoso.  Hoje os pais vibram quando o filho se interessam em jogar futebol orientado por profissionais, porém, na época, ele se preocupava com os riscos de  influências negativas pois a molecada,  sem  qualquer controle,  praticava livremente o futebol de rua.   O Salvinho, que na juventude chegou a jogar futebol quase profissional, em criança não resistia o soar da bola desses campinhos improvisados, para onde fugia e  se desligava do tempo, sendo o mais repreendido , porque  muitas vezes  encontrava fechada a mercearia onde deveria fazer as compras que lhe eram confiadas.  

O TESTEMUNHO DE UMA COLEGA DE TRABALHO

Recentemente surgiu-me a grata oportunidade de conversar ao telefone, sobre o Gerson, com a Senhora Maria Elenice Claveri Constancio, residente em Petrópolis.   Vejam a bela mensagem que me enviou, e que tento resumir: “Com 6 anos de idade, estudante do LICEU São José, conheci o Professor Gerson, era assim que as pessoas o chamavam.  Ele não lecionava, era Secretário da escola, mas como era uma pessoa muito sábia, inteligente, educada e honesta, para nós era sempre o Mestre.  Convivi com ele mais aos 16 anos de idade, quando deixei de ser aluna e passei a ser funcionária da escola, trabalhando como auxiliar do meu grande e inesquecível secretário e mestre, Gerson Mendonça.  Não recordo exatamente quantos anos trabalhamos juntos, mas, posso afirmar, que foram uns dos melhores anos de minha vida profissional.  Disciplinado e sempre buscando fazer o melhor, não esqueço seu conselho quando eu tentava corrigir um erro datilográfico, lembrando que a máquina de escrever não tinha o recurso que hoje temos no computador.  Dizia: “Tutucha, assim me chamava, quando uma coisa está errada, não adianta tentar consertar, melhor fazer de novo”.  Nos meus 40 anos de serviço, nunca mais trabalhei nem conheci ser humano igual a ele.  Com seu espírito alegre, às vezes brincava de fazer inocentes versinhos, alguns deles ainda guardo com carinho.  Vejam este, inspirado no rato que roeu todo seu dicionário que guardava em sua escrivaninha:  
MÁGOAS DE COMUNDONGO

De tanto roer dicionário / Descobriram minha existência / Seu Pedro arranjou ratoeira / Seu José negou-me clemência  // Li o dicionário contente / Para não morrer analfabeto / Convidei três companheiros / O Lulu, a Lalá e o Anacleto //  De nada veleu meu desejo / Em morar na Secretaria  / Seu Gerson e a “Tutucha” diziam / Matem os ratos pra nossa alegria // Agora sei que morri / Não aprendi mais um ditongo / Todos estão satisfeitos / Com a morte do Camundongo // De meus velhos companheiros / Só resta a recordação / Do barulho que fazíamos / nas noites de solidão “

O MEU HERÓI RESSURGE FULGURANTE ! 

   Eu teria muitos exemplos para lhes dar.  Mas, para terem uma ideia da dimensão de seu valor humano, vou contar-lhes um fato que me tocou profundamente.  Ao visita-lo na UTI do hospital, encontrei-o sob fios que se cruzavam com as sondas.  Restou-me dizer:  mano, você é forte e vai vencer mais esta batalha.  Agora, peço que vocês sintam um pouco da grande emoção que me envolveu,  e que me fez sentir pequenino,   diante da grandeza daquela criatura,  preocupado não consigo, mas comigo, ao  dizer-me, com voz pausada e ofegante, quase inaudível, vindas de um coração vibrante e de alma generosa:   -- mano.... me disseram.... mas eu te peço.... não te separes... da Juliana.

Agradeço a Vera Lucia e a D. Elenice, as suas valiosas informações que resultaram em melhoria deste texto.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

João Batista, meu irmão


JOÃO BATISTA DE MENDONÇA (04.09.1928 / 03.04.1957 ) – Em Itacoatiara,  AMAZONAS, ao terminar o curso primário, em geral aos 12 anos de idade ,  poucas crianças conseguiam continuar os estudos na capital.  Graças ao apoio do Gerson, irmão que morava em Manaus, o João concorreu e foi aprovado no difícil exame de admissão para o excelente colégio público, o Ginásio Amazonense.  Lembro, em criança, que nas férias do meio e fim de ano, ele chegava da capital com muitas novidades, dentre tantas, o jogo de botão.  O time dele era o Flamengo, os botões feitos de   jarina, semente de palmeira amazônica que,  por ser branca e muito resistente, chegaram a chamar de mármore vegetal.  O resto da garotada formava seus times com  botões de roupa,  de madeira ou de caroço de tucumã.  Ele e o Jorge (*), que defendia o Fluminense, levavam a sério os  campeonatos, com tabelas, campos demarcados no chão das salas, juízes e até locutores.  A mim deram o São Cristóvão, depois, por uma desistência, o João me fez Vascaíno, time pelo qual torço até hoje. Para terem ideia de como o João era espirituoso, alegre e gozador, certa vez o Wilson, um dos irmãos que o ajudavam nos estudos, comentou sorrindo – João, tuas cartas não me trazem notícias, só pedem dinheiro.   Na carta seguinte, ele fez duas páginas só de  notícias, não pediu dinheiro, mas todas as letras “S” foram trocadas um “$”!.  Começou emancipar-se trabalhando no IBGE quando também escrevia, com inteligência e humor, uma coluna intitulada Zé Ouvinte,   muito lida no jornal A GAZETA.   Sempre gostou de futebol. Certo dia, assistíamos a um jogo dele num pequeno campo nos arredores de Manaus. Em certo momento, o Pedro, nosso irmão, entrou em campo disposto dar uma surra no adversário que dera uma forte entrada derrubando perigosamente  o João que,  levantando rapidamente,  segurou o Pedro dizendo “calma mano,  não houve maldade, é do jogo” . João mudou para Belo Horizonte em  1950, para tratar de tuberculose que atingiu muitos de meus irmãos.  Em setembro de 1956, na minha primeira viagem ao Rio, fui visita-los, viajando de trem Vera Cruz e ele foi me receber na estação. Logo lhe pedi que me indicasse um hotel. Com largo e peculiar sorriso
 me respondeu - “ teu hotel é lá em casa e tu  vais dormir no chão!”. Dessa estada, restam-me lembranças de momentos maravilhosos.   Maria Thereza, gestante de muitos meses, mostrava-se tranquila apesar de ter a casa cheia, pois hospedavam também o Gerson e família. João, fã da rainha do rádio daquele ano, me levou a comprar um compacto de Clara Nunes, que despontava cantando Arriverdeci Roma.  Depois, com Gerson e família,  fomos de avião a Campanha do Sul, onde morava a mana Tereza e seu esposo Hélio Mallet. Lá encontramos, também em visita,  a mana Ermelinda e o cunhado Gerardo.   O casal anfitrião ficou em casa descansando.  Agora, vejam a bela história (**)  a seguir:   Como estudante de enfermagem na Faculdade Hermantina Beralda, de Juiz de Fora, Maria Thereza dera inúmeros plantões na Santa Casa de Misericórdia da mesma cidade.   Após formatura, foi designada para trabalhar em Juazeiro, na Bahia, onde foi surpreendida com uma  doença pulmonar, certamente adquirida nas  frias noites de seus plantões.  Para tratamento de saúde fora deslocada para a sede do SESP,  no Rio de Janeiro e, daí, com rápida recuperação, foi encaminhada a Belo Horizonte para, após repouso em quarentena, retornar ao serviço.  Para complementar uma documentação, precisou ir ao Laboratório do IPASE de BH.   Justo nessa mesma manhã de março de 1953, no mesmo horário em que aguardava atendimento, um jovem estranho, de boa aparência, atencioso, simpático e alegre começou a conversar com ela dizendo que estava alí pela primeira vez  para realizar um exame.   O mundo conspira!    Mineira discreta e cautelosa - dizem que mineiro é desconfiado – em princípio ela o achou muito apresentado mas, aos poucos o João lhe foi ganhando a confiança para novos  encontros que resultaram em namoro e, em  exatos 18 meses,  no dia 29 de setembro de 1954, ela passou a chamar-se Maria Thereza Gomes de Mendonça, em casamento realizado na cidade de Resende Costa, terra natal da noiva,  residência de sua  tradicional e numerosa família. Bastante incentivado pelo Sr. Prudêncio Gomes, pai de Maria Thereza,  o  João decidiu continuar os estudos, interrompido em Manaus,  reiniciando  na  3ª. Série de Direito.  Nessa época de estudante, ocorreu um fato interessante.  Numa de suas viagens a Rezende Costa, foi convidado a participar improvisadamente como advogado de defesa num evento tradicional na cidade, tipo um teatro, em que todo ano era simulado o julgamento de um réu. Ao final, foram bastante aplaudidos pelo público presente.  Além dos aplausos, João recebeu muitos elogios pelo seu desempenho, tendo sido realçado como brilhante pelo advogado de acusação, que, naquele ano, em vez de um leigo, atuara o competente e respeitado Promotor de Justiça da cidade.  Para concluir os estudos, suas notas finais do 5º ano, lhe garantiam estar entre os Bacharelandos em Direito, porém, sua ausência na formatura,  mereceu emocionantes homenagens que as cartas convites dirigidas a Maria Thereza, resumidas a seguir,  falam por si só:

 Da Faculdade de Direito de Minas Gerais - 20.11.57 – Constando da programação oficial da formatura dos bacharelandos, fazemos-lhe um convite para solenidade em homenagem que prestamos ao saudoso colega, não é mera formalidade, como poderia parecer, pois que num convívio de pouco tempo soube conquistar a nossa eterna amizade e a admiração de todos os professores (a) Marcio Bruno Von Sherling e Adolfo Pereira Filho.

   Da Diretoria Acadêmica da mesma Faculdade - Convite para,   em 9.12.1957,  Maria Tereza comparecer à homenagem  para descerrar,  na Sala dos Parlamentos dos Alunos desta Faculdade, a placa “Sala João Batista de Mendonça” na presença de formandos, professores e demais colegas (a) Roberto P. de Cerqueira, Secretário Geral e Olímpio Porto Botelho, Presidente.

 Se considerarmos somente a contagem de tempo aqui da terra, o João se fez presente por apenas 4 meses e 11 dias  na vida de  uma linda criança, fruto de muito amor do casal, o Joãozinho, nascido em 20.11.1956, hoje um belo jovem senhor que serve de  orgulho para sua mãe, pelos valores de  caráter, bondade  e inteligência,  com forte lembrança de  traços físicos e espirituais de seu pai.  

           
(*) Jorge Bonifácio de Lima, em 2019 faz 94 anos, está bem, mora em Manaus, é meu irmão por ser filho de Floro Rebelo de Mendonça, meu pai adotivo.
(**) Agradeço a colaboração da cunhada  Maria Thereza,  e do João Batista Filho,  que muito me ajudaram com informações  que me permitiram prosseguir e  enriquecer este texto .

sexta-feira, 3 de maio de 2019

A CASA DE MEU PAI


  


 A partir dos meus 6 a7 anos de idade, comecei a visitar a casa dos meus irmãos, até então chamados de  “primos”.  Era bem grande como se vê na  foto ao lado, tendo à frente o querido mano Jurandir.  Essa casa tinha mais umas duas janelas à esquerda da foto.  Lembro que tinha duas salas contíguas à frente, uma  de jantar e outra de lazer, uma alcova, um salão, espaçosa cozinha e mais uns dois quartos em um sótão, um deles das manas Ermelinda e Tereza.    Eu gostava de frequentar esse grande salão,  dormitório de alguns dos meus irmãos,  onde   eram guardados muitos instrumentos musicais que eu tentava, sem sucesso,  tocar um ou outro.  Do Gerson (violão),  Jurandir (trombone), Edson (piston), Otoniel (clarinete), Antonio, o Quitó (trompa), Pedro (contra-baixo ou tuba),   João Batista  (flautin).   Meus  7 irmãos e mais uns 3 ou 4 outros músicos,  sob a batuta do maestro Fona, pai de um excelente pintor e exímio violinista, o Ubirajara, formavam a orquestra  que se apresentava nas festas cívicas da cidade.  Muitos chamavam de a orquestra dos Mendonças.    Essa casa ficava  a  quatro quarteirões de onde eu morava, era a última da rua Desembargador Meninéia, em Itacoatiara.  Ela se limitava por um lado com  a rua que circundava a grande lagoa do Jauary (hoje inexistente) que,    com o tempo,  teve o centro dela   tomado pelos aningáis e outras pequenas vegetações aquáticas, viveiros de alguns jacarés, cobras, sangue-sugas, peixes pequenos,  inclusive o famoso poraquê,  e muitos pássaros que se divertiam em revoadas, faziam seus ninhos e compunham  belas canções  para deleite dos que amam a  natureza.   As Lavadeiras buscavam as límpidas águas das cacimbas que se formavam naturalmente em vários pontos.  A criançada, com minha presença assídua, jogava bola em campinhos em declive à beira do igarapé.  Nas enchentes do Rio, havia procissões, com música,  muitos fogos e  canoas enfeitadas  que percorriam todo o igarapé que se formava ao redor da vegetação, sendo mais um motivo de alegria para os moradores e visitantes que iam assistir aos festejos de  São Pedro.  Com a enchente do rio,  o quintal de meu pai se tornava um lago escondendo a cerca. Por atingir as sentinas, na época construídas nos quintais,   impurezas eram liberadas,  tornando essas águas  impróprias para o banho, menos para minhas irmãs Tereza,  Ermelinda e eu, sempre convidado a burlarmos a vigilância dos mais velhos.  Talvez contássemos com imunidade ou a proteção divina, ou  certamente as duas.   Hoje essa casa é inexistente mas deixou,  na nossa memória, lembranças inesquecíveis.

PEDROCA, meu pai



                                                                              
PEDRO LUDGERO DE MENDONÇA LIMA (1888?- 31/12/1946), filho de João Baptista de Mendonça e Tereza Correia de Mendonça, nasceu em Maranguape. Fugindo da seca que  assolava o Ceará, foi para o  Amazonas em 17/2/1894, com 8 anos de idade, em companhia de seu irmão mais velho, Vicente Geraldo de Mendonça Lima,  que, embora jovem de apenas 16 anos, agia como uma espécie de tutor de meu pai e de seus irmãos Zeca,   que morreu cedo,   Ana (tia Naninha) e tia Sinhá. Para poderem viajar,  contaram com o apoio do padre Pedro Abreu Pereira. Depois de Itacoatiara- AM,  residiram em São José do Amatari (1901/1902), Vila de Silves, Boca dos Autazes, retornando finalmente para a Velha Serpa (*).   Não sei onde ocorreu o seu casamento com minha mãe Maria Vital de Lima, mas sei, com certeza, que já moravam  em Itacoatiara, quando do meu nascimento,  em 23/06/1934.   De seu primeiro matrimônio, tiveram  11 filhos, Gerson, Wilson, Jurandir,  Otoniel, Pedro, Edson, Antonio (Quitó), João Batista, Tereza , Ermelinda e eu. Do segundo,  com Da. Eloya Fonseca de Mendonça,  mais 5 filhos, Renato, Adilson, Joaquina, Raimundo e Fátima.     Contaram-me que meu pai trabalhou na firma de Abdon Raman, na época grande comerciante ribeirinho, estabelecido entre as cidades de  Itacoatiara e Manaus e   que até aprendeu a  falar e a escrever razoavelmente o  turco.  Trabalhou em seguida na Prefeitura, porém, apesar de sua reconhecida competência, o seu perfil de pessoa austera, reservada, honesta e séria não agradou à politicagem de   Manuel Severiano Nunes, que o demitiu durante o curto período em que foi nomeado Prefeito de Itacoatiara.  Desempregado, necessitando de recursos para manter seus 10 filhos, não esmoreceu e pegou imediatamente um trabalho duro, o de carregar nas costas tábuas de madeira, na Serraria do industrial Antonio de Araújo Costa.    Nunca se queixou da dor dos calos que brotavam em suas mãos.   Passados alguns dias, o Sr. Raimundo Perales, gerente da empresa,  pai da minha atual e querida esposa Lucia Perales Rabello, ao fazer vistoria de rotina na Serraria, percebeu a fragilidade física daquele operário para o trabalho que executava.  Resolveu entrevista-lo e o promoveu a apontador, encarregado de registrar o   estoque e a movimentação das madeiras.  Não tardou nova avaliação.  Percebido seu maior potencial, foi   transferido para  o escritório da firma, onde,  em pouco tempo,  galgou o posto de guarda-livros (hoje Contador), cargo que exerceu até  afastar-se e vir a falecer de tuberculose, doença que, muito antes da descoberta da penicilina e de outros medicamentos, era  praticamente fatal.   Pouco me relacionei com meu  pai.  Chamava-o de tio, parentesco correto se seu sobrinho, Floro Rebelo de Mendonça, fosse realmente meu pai.    Tudo isso ocorreu  porque era mantido em segredo que eu fosse adotado.    Muitas vezes o vi passar em frente à casa em que eu morava, trajeto que fazia diariamente  para o trabalho  pois morava ao final da mesma rua.    Em criança,  visitava muito meus “primos” mas raramente o encontrava por coincidir com seu horário de trabalho.     Certo dia, aos 12 anos de idade,  jogava bola em frente à minha casa e, ao avistá-lo, corri para pedir-lhe, como de hábito a  “benção titio”, benção que nunca negara “ao sobrinho” mas, pela primeira vez,  o vi transtornado, gritando : “Me respeite, você já tem idade de saber que sou seu pai e não seu tio !   Saí correndo desesperadamente, entrei em casa aos prantos, mas minha mãe  Nunila Barros de Mendonça, docemente me convenceu  que havia um engano e que ela e Floro Rebelo de Mendonça é que  eram os meus verdadeiros pais, que muito me amavam, e que  iriam conversar com “meu tio” para que esse fato não se repetisse.    Em outro momento espero lhes contar o trauma que sofri, quando me foi confirmada a adoção.    Restou-me pouco tempo  para  curtir o meu pai que, segundo a minha irmã Fátima,  teria pronunciado,  lucidamente, naquele 31 de dezembro,  suas últimas palavras: “o ano está findando e eu estou indo com ele”...


 (*) Fontes: Livro de Biografia de Vicente Geraldo de Mendonça Lima, de autoria de meu saudoso primo Antonildes Bezerra de Mendonça, e em conversa com seu irmão, o  meu querido primo João Rebelo de Mendonça.

  

quarta-feira, 3 de abril de 2019

SANTINHA


A partir de agora, tentarei fazer um resumo de histórico familiar, falando de meus pais e irmãos.  Sem obedecer a uma ordem cronológica, registrarei fatos de meu conhecimento, contando com a importante ajuda de colaboradores.
MINHA MÃE...
 MARIA VITAL DE LIMA e Pedro Ludgero de Mendonça Lima tiveram onze filhos, dos quais sou o caçula.    Viúvo, meu pai casou com dona Eloy e tiveram mais seis filhos.   Como mencionei no texto NASCI,   não  conheci minha mãe, pois ela sofreu complicações em sua saúde, em decorrência da explosão de um foguete, embaixo de sua cama, ocorrido  em 29 /06/1934, quando eu tinha apenas 6 dias de nascido.  Em busca de recurso médico, foi levada às pressas para Manaus, onde faleceu pouco tempo depois. Seu nome de solteira era Maria Rebello Vital,  filha de Fortunato Fóscolo Vital e Bárbara Rebello Vital, ele oriundo de Escada-PE .   Seus pais tiveram 15 filhos.   Eram irmãos de minha mãe,  Raimundo, Ernestina, Antonio, Guiomar, Cecilia, Raul, Erotides, Dolores, Manuel, Miguel, Edmundo, Helena, Romeu e Agenor (*).   Parece que, na época,  era comum os casais terem filhos contados em dois dígitos,  o que me leva a acreditar  que, entre outros fatores, não eram assediados pela  TV, facebook ou watsapps.   Dentre  eles, conheci apenas as tias  GUIOMAR REBELLO VITAL ( MINA), residente em Itacoatiara  e EROTIDES REBELLO VITAL, em Manaus .   A tia Mina era uma criatura enérgica, sem “papas na língua”, tanto ativa como caridosa.  Casada com Silvino Montenegro, tiveram cinco filhos,  Maria Amélia (Milica), Maria do Carmo, Aurélia, Miguel e Antonio.    Com todos eles convivi em Itacoatiara,  na época de  minha infância e juventude, porém, foi com Antonio e Miguel,  que tive continuidade no relacionamento,  nas várias visitas que lhes fizemos  em São Paulo, onde passaram a residir.   A Tia EROTIDES era uma pessoa destemida, vibrante e, desde jovem,  muito estudiosa e dedicada aos livros.  Em Manaus,  foi a primeira mulher a subir num palanque em ato público, diante de autoridades, quando fez um discurso eloquente,  elogiado pelo então governador do Estado, grande escritor e poeta, dr. Álvaro Botelho Maia, que conhecia sua destemida  luta pela causa dos menos favorecidos quando escreveu em seu livro “ Em tôrno do caso Amazonas”, de agosto/1931, o seguinte  : “...o excelsior resplendente da mulher entoado, como um dies irae luminoso, por Erotides Vital, flôr de amazonismo ardente, valem por um balsão de honra e glória”(**) .  Foi, no Amazonas, uma das pioneiras em  lutar pela liberdade da mulher. Não ligava para a opinião de algumas senhoras que diziam : “ mulher tem que estar em casa, cuidando das crianças,  lavando e cozinhando,   em vez de se envolver em  política” .  Sem dar bola para a opinião pública, dedicou-se  de forma apaixonada  pela candidatura de  seu esposo, Dr. Manoel Elias Anunciação, eleito, se não me falha a memória,  Deputado Federal.  Tiveram seis filhos, Maria da Conceição , Antonio, Maria do Carmo, Erotides, Francisca e Flávio.  Dentre eles, conheci desde criança  o Antonio (Tonico), que depois serviu  o exército, época em que,  como excelente pianista, fundou uma orquestra que tocava nos principais clubes de Manaus.  Saiu do Exército para   Banco do Brasil,  estudou Direito e atuou como advogado. Em seguida, prestou concurso e foi nomeado Juiz de Direito, não sei de que Comarca.  Em outubro 1995, em Natal com Flávio e Dorinha visitamos sua esposa Auxiliadora, seus filhos Tonico (14) e Lucinha (11), o Antonio estava em Roraima.  Ao mudarmos para Niterói, desde 1995 tivemos o prazer de visitar muitas vezes minha prima Maria da Conceição ( a Conchita) e sua família e, por ocasião de uma festa de aniversário,  revi    Maria do Carmo (Carminha)  e o Flávio, que  conheci rapidamente quando  trabalhava  na Casa da Moeda, na avenida Rio Branco- RJ.   Não lembro ter conhecido as primas Erotides e a Francisca.  Finalmente, restando-me pouco conhecimento de minha mãe, soube que ela tinha o porte e a bondade da querida e saudosa mana Tereza, por isso era chamada de Santinha e que vivia integralmente para o lar, com dedicação e muito amor.  Entretanto, apesar de todo meu interesse, não consegui ver o seu porte, o seu semblante ,  os  traços de seu rosto, ou o brilho de seus olhos, pois  sempre me foram negados  por aquela perseguida  foto que eu nunca encontrei.
(*) Agradeço essa  Informação ao livro intitulado FAMÍLIA VITAL, fruto do esforço e dedicação de meu primo e amigo, Miguel Raymundo de Oliveira Vital, tabelião em Mana                                                                                                             (**) Consta do pequeno (13 páginas) mas rico registro biográfico da tia Erotides, de autor  que não identificado.