GERSON VITAL DE MENDONÇA
(26.04.1915 / 04.12.1985 ) – Nasceu em Urucurituba, município do baixo
Amazonas. Já expliquei em outros textos
que, até meus 12 anos de idade, fui levado a acreditar que eles eram meus primos e não meus
irmãos.
Com o Gerson, o mais velho e eu o
caçula, aconteceu diferente.
O MEU HERÓI
SERVE AO EXÉRCITO,
MUDA DE RESIDÊNCIA E TEM SUA PRIMEIRA PROFISSÃO
Gerson servia no 27º. Batalhão de
Caçadores. Nessa época deu grande apoio ao papai, em 1934, quando nossa mãe viajou, gravemente enferma, de Itacoatiara para Manaus. Depois passou a residir em Rio Branco, capital
do Território Federal do mesmo nome, hoje Estado Roraima. Nessa época, foi
exposto a doenças graves como malária, febre
amarela e outras da região, nas longas
viagens por rios e matas distantes da
cidade, nas fronteiras com a Venezuela e Guiana , ex Inglesa. Ao dar
baixa do Exército, segundo informação de sua filha Vera Lucia, foi nomeado em
28/10/1939 Escrivão de Polícia do Território Federal, e efetivado em
09/11/1948, exercendo suas funções com sua peculiar e reconhecida dedicação.
O CASAMENTO – A
PROTEÇÃO ÁS IRMÃS – A SAÚDE COMPROMETIDA
Casou-se em 27/04/1946 com Raymunda Irene Dutra Martins, parintinense, professora eficiente, pessoa admirável, séria e serena ao conduzir o lar com muito amor. Eles sempre conviveram muito bem com a Da.
Antonia, a querida Dona Antonica, a quem
o Gerson, em uma dedicatória, chamou-a
de “ minha querida sogra e verdadeira mãe”. Preocupado com o futuro das
irmãs Tereza e Ermelinda, levou-as de Itacoatiara para Rio Branco, onde,
através de concurso, foram admitidas como funcionárias do Governo do
Território. Não demorou, por volta de
1950, eles tiveram a saúde abalada por tuberculose. A
Ermelinda foi se tratar em Belo
Horizonte, onde já se encontrava o irmão
João Batista. A Tereza, em outro momento
eu explico, mesmo sem estar doente, arranjou um jeito de acompanhar a irmã. O Gerson, passou por BH e foi encaminhado para o especializado Hospital Alcides Carneiro, em Correias, distrito de Petropolis-RJ, local em que o
clima era considerado como um dos quatros melhores no Brasil, para esse tipo de tratamento. Não tardou Irene apresentar alguns sintomas da
mesma doença, foi para o Rio de Janeiro e logo depois para Correias ao encontro
do esposo. D. Antonica acompanhou a
filha nessa mudança, deixando em Rio Branco as netas, Vera e Gersirene, sob cuidados seu filho Martins.
O ENCONTRO COM AS
FILHAS e AS SUCESSIVAS MUDANÇAS
Foram dois anos separados das crianças. Quando elas chegaram em
Correias, em virtude da pouca idade e do distanciamento havido, um fato
interessante aconteceu: as duas não reconheciam o Gerson como pai, nem ele
avaliava que elas já estavam
crescidinhas. Num primeiro contato pela
manhã chamou-as: -Venham tomar fefé.
E elas, rindo, disseram:
engraçado, ele não sabe falar café! O retorno a Manaus se deu meses depois do nascimento do Antonio Sálvio, o Salvinho, em virtude de a família sentir-se deslocada de seu habitat e com saudade de
amigos e familiares. Elizete nasceu dois anos depois quando passaram a morar numa das poucas casas de madeira, com quintal cheio de plantas
frutíferas, num bairro em formação, o de São Francisco. Em 1957 Gerson concluiu seu Curso de
Contabilidade no excelente Colégio Solon de Lucena. Não tardou, Elizete e Salvinho começam a adoecer com tanta frequência, a ponto de um médico sentenciar:
vocês nunca deveriam ter saído do clima de Petrópolis onde se davam tão bem. Nova mudança se tornou imperiosa para
Petrópolis, onde nasceram Vânia e Maria Antonieta, a caçula Mariazinha.
NOVO CURSO, NOVAS
ATIVIDADES e O VENCEDOR
Contando com parcos recursos de uma licença saúde, corroídos pela
inflação, e com filhos para criar, decidiu complementa-los com venda de livros, tipo enciclopédias,
Tesouro da Juventude e outras coleções. Em seguida, trabalhou como contador em
um escritório no Rio. Sofria muito com as
viagens de ônibus, de ida e volta pela
sinuosa estrada da Serra, na época de mão dupla, sujeitando-se às mudanças climáticas e se expondo aos
constantes riscos de acidentes. Fez, em
seguida, um Curso de Secretariado para sentir-se apto em aceitar o convite que lhe fora feito padre Luís Brasil
Cerqueira, pároco da Igreja e fundador do Liceu
São José de Itaipava. Distando 15 km de sua casa, enfrentava, de ônibus, novos congestionamentos
pela sinuosa Estrada União e Indústria, também estreita e de mão dupla. Sua dedicação e esmero ao trabalho o fez
reconhecido como excelente Secretário, ao restabelecer a escrita do Colégio e
mantê-la sempre em dia, cumprindo todas as exigências do Ministério da
Educação. Ao sair do Colégio, teve uma
despedida emocionante pelo carinho recebido de
seus superiores, colegas e
funcionários. Anos depois, durante as
comemorações de 50 anos de existência do Liceu São José, o Gerson foi
homenageado durante a sessão solene que contou com a presença de Diretores,
Professores e Funcionários, oportunidade em
que foi realçado seu excelente trabalho, sempre com eficiência,
disciplina e pontualidade, e as sólidas
amizades conquistadas nos 40 anos de convivência naquele Colégio. Como convidada de honra esteve presente
a Irene, sua viúva, acompanhada de seus filhos e demais familiares, com os quais tive a felicidade de estar presente.
A NOSSA
CONVIVÊNCIA...
se
tornou bem maior quando mudamos para Niterói, em 1965. Meus filhos tinham, e até hoje têm, imensurável
amizade com os do Gerson. Por vários
anos, em nossas frequentes visitas a Petrópolis, sempre fomos recebidos
com especial carinho. Ele pensava em
tudo para nos agradar. Vejam só. Certa
vez, chegou a comprar discos de Silvio
Caldas e Orlando Silva, para ouvirmos, evitando, no seu entender, constranger-nos com aquela “música barulhenta de uns cabeludos”, enquanto as meninas curtiam a radical mudança no estilo de música
popular e dançavam o tempo todo, diante
da eletrola, ao ritmo de : I
want to hold you hand, Girls, Michelle,
Help, Yelow Submarine etc. Por sua
vez, Irene se preocupava em oferecer-nos farto almoço,
ajudada por d. Antonica que era
infalível com suas deliciosas empadinhas
para o lanche, momento em que se divertia
ao me ver, a seu pedido, dançar uma valsa com a
Juliana. O Gerson, disciplinador, era alegre, gostava de música, vez por
outra tirava uns bons acordes ao violão ou ao piano. Era ponderado, um pai totalmente dedicado à
família, severo porém bondoso. Hoje os
pais vibram quando o filho se interessam em jogar futebol orientado por
profissionais, porém, na época, ele se preocupava com os riscos de influências negativas pois a molecada, sem
qualquer controle, praticava
livremente o futebol de rua. O
Salvinho, que na juventude chegou a jogar futebol quase profissional, em
criança não resistia o soar da bola desses campinhos improvisados, para onde
fugia e se desligava do tempo, sendo o
mais repreendido , porque muitas vezes encontrava fechada a mercearia onde deveria
fazer as compras que lhe eram confiadas.
O TESTEMUNHO DE
UMA COLEGA DE TRABALHO
Recentemente surgiu-me a grata
oportunidade de conversar ao telefone, sobre o Gerson, com a Senhora Maria
Elenice Claveri Constancio, residente em Petrópolis. Vejam a bela mensagem que me enviou, e que
tento resumir: “Com 6 anos de idade, estudante do LICEU São José, conheci o
Professor Gerson, era assim que as pessoas o chamavam. Ele não lecionava, era Secretário da escola,
mas como era uma pessoa muito sábia, inteligente, educada e honesta, para nós
era sempre o Mestre. Convivi com ele
mais aos 16 anos de idade, quando deixei de ser aluna e passei a ser
funcionária da escola, trabalhando como auxiliar do meu grande e inesquecível
secretário e mestre, Gerson Mendonça.
Não recordo exatamente quantos anos trabalhamos juntos, mas, posso
afirmar, que foram uns dos melhores anos de minha vida profissional. Disciplinado e sempre buscando fazer o
melhor, não esqueço seu conselho quando eu tentava corrigir um erro
datilográfico, lembrando que a máquina de escrever não tinha o recurso que hoje
temos no computador. Dizia: “Tutucha,
assim me chamava, quando uma coisa está errada, não adianta tentar consertar,
melhor fazer de novo”. Nos meus 40 anos
de serviço, nunca mais trabalhei nem conheci ser humano igual a ele. Com seu espírito alegre, às vezes brincava de
fazer inocentes versinhos, alguns deles ainda guardo com carinho. Vejam este, inspirado no rato que roeu todo
seu dicionário que guardava em sua escrivaninha:
MÁGOAS DE
COMUNDONGO
De tanto roer dicionário /
Descobriram minha existência / Seu Pedro arranjou ratoeira / Seu José negou-me
clemência // Li o dicionário contente /
Para não morrer analfabeto / Convidei três companheiros / O Lulu, a Lalá e o
Anacleto // De nada veleu meu desejo /
Em morar na Secretaria / Seu Gerson e a
“Tutucha” diziam / Matem os ratos pra nossa alegria // Agora sei que morri /
Não aprendi mais um ditongo / Todos estão satisfeitos / Com a morte do
Camundongo // De meus velhos companheiros / Só resta a recordação / Do barulho
que fazíamos / nas noites de solidão “
O MEU HERÓI RESSURGE FULGURANTE !
Eu
teria muitos exemplos para lhes dar.
Mas, para terem uma ideia da dimensão de seu valor humano, vou
contar-lhes um fato que me tocou profundamente.
Ao visita-lo na UTI do hospital, encontrei-o sob fios que se cruzavam
com as sondas. Restou-me dizer: mano, você é forte e vai vencer mais esta
batalha. Agora, peço que vocês
sintam um pouco da grande emoção que me envolveu, e que me fez sentir pequenino, diante da grandeza daquela criatura, preocupado não consigo, mas comigo, ao dizer-me, com voz pausada e ofegante, quase
inaudível, vindas de um coração vibrante e de alma generosa: -- mano.... me disseram.... mas eu te peço....
não te separes... da Juliana.
Agradeço a Vera
Lucia e a D. Elenice, as suas valiosas informações que resultaram em melhoria
deste texto.