Sempre evitou assunto político, até ser procurado por
um grande amigo que, enfrentando muitas recusas, implorou, por último, que ele
se inscrevesse junto com ele ao menos para melhorar o coeficiente eleitoral de
seu partido. Cedeu ao apelo, advertindo que não faria qualquer campanha, porém,
foi surpreendido ao ser eleito o segundo vereador mais votado, suplantando seu
próprio amigo! Teve o mandato cassado por se recusar, como avisara antes, a
comparecer às reuniões da Câmara de Vereadores.
Casou-se em 04/05/1942, com Potyra Rates Barros (22 anos) conhecida por
Florzinha, filha do Sr Arico, um dos oito herdeiros de Aquilino Barros,
espanhol que deixara riquíssima herança, a respeito de quem terei oportunidade
de falar em outra ocasião.
Florzinha era
muito alegre, desde que não lhe pisassem os calos, enquanto o Otoniel era calmo
e sereno, mas essa diferença em nada lhes comprometeu a ótima relação
matrimonial. Florzinha, neta de índia,
puxara a raça espanhola, e ele era o único irmão que herdara a origem negra ou
de índio, de algum ancestral das famílias Vital ou Mendonça. Ambos eram muito
bonitos e ela tinha ciúmes de seu olhar que dizia ser “um olhar velhaco”, e que
ela estava de olho nas cornas que o assediavam na taberna. Ele apenas sorria ao dizer que nada acontecia
e que ele as tratava bem, da mesma forma que os outros fregueses.
Ao
adoecer de uma das vistas, recorreu ao Dr. Wilton Rocha, na época um dos melhores
oftalmologista de Belo Horizonte, que, pela gravidade, teve que colocar uma prótese, tão bem feita que não se percebia diferença entre seus
olhos, a ponto de ter ocorrido um episódio surpreendente em Petrópolis: Vera
Lucia, nos seus seis anos de idade, à
frente do espelho do banheiro, enfiava
o dedo em vários pontos do seu olho quando foi repreendida pelo Gerson, ao
perguntar: o que você está fazendo, menina? ela respondeu calmamente:
pai, estou tentando tirar meu
olho para lavar como eu vi o tio Otoniel fazer!
Tive oportunidade de uma boa convivência
com eles em várias oportunidades. Passei uns meses em sua casa em Itacoatiara,
viajei certa vez em sua lancha até Maués, fizemos juntos a nossa primeira
viagem ao Rio de Janeiro, seguindo até Belo Horizonte, hospedando-nos na casa
do João Batista e Maria Tereza, onde já estavam Gerson
e família. Fui com eles, na companhia de
João Batista, Gerson e família até Lavras-MG, viajando em avião DC3 da Real
Cia. Aérea, seguindo de táxi até Campanha do Sul, onde residia a Tereza com seu
esposo Hélio e filhos, e, em visita, lá estavam a mana Ermelinda e seu esposo
Gerardo. Foi uma viagem inesquecível.
Registro,
a seguir, algumas passagens pitorescas que guardo na memória:
Numa festa do
interior o Otoniel dançou com todas as moças, menos com uma cabocla esquecida
num canto. Quase ao final da festa, na tentativa de reanima-la, convidou-a para
dançar. Recebeu, porém, uma indignada
recusa:- não vou dançar com o Senhor por que o Senhor é muito esculhão de
dama!
Certa manhã, ao levantar-se, Florzinha lhe
deu a maior bronca dizendo:- tu não negas que és safado e sem vergonha, tu
não prestas mesmo, sonhei que estavas aos beijos com uma caboclinha. Sorrindo ele respondeu:- eras! tu
sonhas e vens brigar comigo? o sonho é teu e eu não tenho nada a ver com essa
história!
Ao
visitarmos o Gerson, em Petrópolis, o quarto em que o casal foi dormir tinha
sido recentemente dedetizado. Alérgico,
o Otoniel não parava de tossir. Indicada a procurar um xarope na prateleira de
remédios, a Florzinha, já sonolenta, pegou um vidro errado e o fez engolir uma grande
colherada de óleo de babaçu, produto de alto teor de gordura saturada, usado
para a pele, cabelo e em fabricação de sabão. Foi terrível aquela madrugada
para o meu irmão que, impedido de tossir, corria constantemente para o banheiro.
Em mais uma experiência comercial, Otoniel comprou um botequim, situado num
belo conjunto de prédios ladeando a principal praça de Itacoatiara. Em algumas
noites, numa sala isolada, uns senhores jogavam pocker. Os filhos dele atuavam
como garçons, contentes pelas gordas fichas que recebiam como agrado dos
jogadores. Mas a Florzinha, que reclamava
constantemente do horário tardio que as crianças chegavam em casa, certa noite saiu
a caminhar sozinha por uns seis quarteirões até o botequim, onde não se conteve
com a cena que viu e, enfurecida, soltou o berro: Isto é uma estupidez, Otoniel! você deixar essas crianças, coitadas, dormindo
mal nessas mesas e cadeiras, até estas horas da noite ! E,
sem se interessar a quem se dirigia, continuou no mesmo tom: e vocês, parece um bando de desocupado, não
têm vergonha de deixar suas mulheres sozinhas? Vão embora para suas casas! elas estão sofrendo a falta de vocês, enquanto
isso vocês ficam aqui grudados até de madrugada nessa jogatina! O jogo acabou e, silenciosamente, foram se retirando um a um: o Prefeito, o Delegado, o Coletor Federal e
outras personalidades importantes na cidade.
Os filhos mais velhos, Carlito e Fernando, de saudosa lembrança, estudaram
no Seminário São José em Manaus, onde não se adaptaram pelo rigor da disciplina
e por faltar-lhes vocação para o sacerdócio.
Em seguida, foram estudar em Belo Horizonte, seguidos pelos outros dois
irmãos Mário Jorge e Toinho, onde residiram por um tempo na casa da mana Tereza
e seu esposo Hélio Mallet, mais sua filharada.
Nessa
época, o Carlito enamorou-se de sua futura esposa, a Leila, que o incentivou a
seguir o exemplo do pai dela, Sr. Oliveira, que obtivera um bom lucro, numa
única venda que realizou, de uma louça antiga, um jarro com uma bacia. Carlito e Leila começaram a trabalhar no ramo
de antiguidades, onde, depois de casados, foram bem sucedidos,
especializando-se, o Carlito como excelente avaliador tanto da qualidade como
do valor histórico das peças, enquanto a esposa atuava mais na parte comercial.
O
Fernando, trabalhando para a Pireli, saiu da empresa e passou a ser comerciante
com lojas de Ferragens, em sociedade com Mário Jorge e o Antonio José, este voltado
mais para a área financeira, com seus conhecimentos acadêmicos em Administração.
Os irmãos ainda atuaram como sócios em construção de prédios de apartamentos,
um dos quais, na av Francisco de Sá, 165, Prado, BH, foi registrado com o nome
de Otoniel Vital de Mendonça. Em
passado não muito distante, cheguei a ver a placa com seu nome na fachada do
citado prédio, (vide foto)
Mário Jorge foi desportista, jogou pelo Atlético Mineiro
e Cruzeiro, revelando-se um excelente ponta esquerda e o Fernando, um ótimo
zagueiro. Muito jovens, firmaram
contratos desfavoráveis, motivando desistirem do futebol.
Ao aposentar-se, Otoniel mudou para Belo Horizonte em
março de 1972. Como os negócios que deixara
em Itacoatiara começaram a declinar, Fernando e Toinho retornaram ao Amazonas
para reergue-los até realizarem a venda.
Em BH o casal levava uma vida
agradável, em mútua colaboração nas atividades do lar. Otoniel se divertia muito quando surgiam
parceiros para jogar buraco ou dominó, jogos nos quais era tão expert, que raramente perdia. Fizeram boas amizades e passaram a visitar com
mais frequência os familiares, embora sempre preferissem ser receptivos.
No ano de 1974, houve uma epidemia de meningite
meningocócita no Sudeste, alastrou-se com maior gravidade em Belo Horizonte,
ceivando tantas vidas que os cemitérios eram obrigados a abrir valas. Quando internados no único hospital que
recebia pacientes com esse diagnóstico, raramente havia sobrevivente. As visitas eram proibidas, mas, contrariando
os temerosos apelos da família, Otoniel não abriu mão de ir ao cemitério para prestar
sua última homenagem a um grande amigo mineiro. Lamentavelmente adquiriu a
doença e, em 48 horas, nos deixou para sempre.
Nota: Ao Mário Jorge, ao Antonio Jose e Leila, e ao saudoso Fernando, agradeço suas valiosas
colaborações para melhoria deste texto.