WILSON VITAL DE MENDONÇA meu irmão. (27.07.1916/25.11.1971)
Era o segundo
dos onze filhos do primeiro matrimônio de meu pai. Na época, os filhos mais velhos colaboravam
na educação dos irmãos. O Wilson, junto com o Gerson, Jurandir e Otoniel,
exerciam muito bem essa função. Assim,
ele foi um conselheiro habilidoso e firme, respeitado pelos irmãos mais novos, notadamente
durante o tempo em que morou no casarão da numerosa família.
Na foto, o Wilson, a esposa Inês ( Nenen), a cunhada Irene Dutra com as
filhas Vera Lucia e Gersirene.
O Wilson,
ainda muito jovem, trabalhou em Manaus para a firma Benzecry, tendo sido
afastado por hanseníase, diagnóstico contestado, anos depois, pelo Dr. José
Mendes que lhe prestou assistência por muito tempo, com dedicação espontânea de
um verdadeiro amigo. Ouvi pessoalmente do
dr. José Mendes que o Wilson tinha uma doença degenerativa, cujo diagnóstico
não recordo, acrescentando, na sua forma eloquente de falar, que rasgaria seu
diploma se fosse hanseníase. Dr. José,
excelente médico, mudou-se com a família para Manaus quando eleito Deputado
Estadual. Era casado com Flavia
Perales, saudosa irmã de minha atual querida esposa Lucia Perales Rabello.
Os irmãos
Edson, Quitó e João Batista, passaram a morar com o Wilson em sua nova
residência assim que ele casou com Ines Pereira Nicanor, a adorável Nenen. Edson pouco ficava em casa pois viajava
durante 4 a 6 meses, comprando madeiras no altos rios do Amazonas para a
serraria do Sr. Araújo Costa, onde trabalhava.
João Batista foi o único dos irmãos que conseguiu prosseguir os estudos
em Manaus, no Ginásio Amazonense, graças ao apoio financeiro do Wilson,
portanto, só passava as férias em Itacoatiara.
O Quitó, o mais presente, residiu com ele até casar-se. As duas únicas meninas, Tereza e Ermelinda,
ao florescer da juventude foram para Boa Vista (RO), onde moraram com apoio dos
manos Gerson e Pedro, até mudarem para Belo Horizonte.
Na minha
infância, frequentei muito a casa do Wilson.
Imaginem a minha aventura ao tomar banho no Rio Amazonas aproveitando a
época de grandes enchentes que chegavam a atingir sua casa, mesmo correndo o
risco de ser atacado por peixes agressivos como piranha e candiru.
Foto da
Casa do Wilson, numa das enchente
Wilson
tinha um espírito alegre, carinhoso e demonstrava muita habilidade ao
relacionar-se com as crianças. Tinha
prazer em lecionar Inglês, Contabilidade e Datilografia gratuitamente a quem
demonstrasse interesse. Nos meus 12 anos de idade, estudei com ele um pouco de
inglês. Não fui bom aluno, faltava às aulas, mas me fascinei com a palavra handkerchief,
com a qual me exibia ao desafiar meus coleguinhas a traduzi-la.
Ele era icentivador e colaborador das festas juninas que se encerravam com
a procissão de canoas no igarapé que contornava uma grande ilha,
formada por aningais e outras
plantas aquáticas, surgidas, ao longo do tempo, no centro da
lagoa do bairro do Jauary, onde Wilson morava. Essa procissão aquática tinha à frente a
igarité-mor que conduzia o Padre, destacando-se, rodeada de flores, a imagem de
São Pedro, o homenageado. A segunda e a
terceira canoas eram destinadas aos músicos e aos cantores que entoavam músicas
sacras. A partir daí, a fila era formada por inúmeras
outras canoas bastante enfeitadas com bandeirinhas e lanternas de papel
colorido, lotadas de festivos devotos.
Ao cair da tarde, o povo se aglomerava nas ruas laterais para assistir a
essa procissão, com músicas e luzes de velas ou lamparinas, que, nos centros
dos balões de papéis coloridos, se transformavam em lanternas multicores, cujas
luzes deslizavam cintilantes, refletidas nas plácidas águas do igarapé. Ouvia-se, também, o toque dos remos, em ritmo
cadenciado, provocando sons semelhantes ao de pratos instrumentais ao tocarem
na água e de taróis ao baterem nas laterais das canoas, como se fossem verdadeiros percursionistas
integrantes da orquestra. Era um espetáculo singelo e sublime, muitas vezes
envolto em prata pela luz da lua, aumentando, assim, no povo que assistia, o
sentimento de deslumbramento e de fé.
Jovens nessa foto, o meu irmão mais
velho, o Gerson (fardado) e o Wilson, o mais alto da família.
Segundo consta do blog do grande historiador amazonense, meu
amigo Francisco Gomes, " Wilson foi
um auto didata, repentista e
poeta, idealizador da imensa boneca de pano, criada em 1953 pelo pescador e
carnavalesco João Rosas (1920-2002), o popular João Bringela. Intitulada inicialmente BONECA DO JAUARY,
depois a TIA SUZANA e por último a BONECA DE PANO DO JAUARI que continua
desfilando e, diz a crença, dá sorte no amor,
cura dores de cabeça, mau olhado e outros males que aflijam os
participantes do bloco. Lembra o Francisco a letra de uma das marchinhas que
o Wilson criou, penso eu, em homenagem
às benzedeiras: Ela é parteira
/ Põe desmentidura / Coze rasgadura / e trata de tonteira. "
Esse meu irmão tinha espírito empreendedor. Com poucos
recursos de sua aposentadoria financiou inicialmente umas redes de pescar. Mais ajudava os pescadores do que se
beneficiava do ganhos que auferiam.
Depois, abriu ao fundo do quintal de sua casa, que dava frente para a
rua de trás, uma pequena sapataria, confiando a gerência à então jovenzinha
Nazaré, a Naza, que me fez a seguinte declaração em recente telefonema: “Trabalhei na Sapataria do Sr. Wilson
até casar-me em 07/10/1969, aos 25 anos
de idade, com Olavo Barros (*). O Sr. Wilson sempre dizia que eu era o braço
direito dele. Dona Nenen e ele eram umas
pérolas de pessoas. Devo a eles e sou
eternamente grata pela oportunidade que me deram e que me permitiu comprar
casa, móveis e ter minha independência.”
Wilson e Nenen não tiveram
filhos. Adotaram uma criança batizada
com o nome de Inês. A Inezinha, era
tratada com todo mimo, mas, segundo
consta, ao crescer não correspondeu ao
amor que recebera e que eles sofreram muito com isso, tanto que a minha irmã
Ermelinda, por gratidão ao carinho que recebera na infância, mandou buscar a Inês (Nenen), viúva e de muita idade, de Itacoatiara para Belo Horizonte, para que ela recebesse um tratamento condigno
até o final de sua vida.
O amor, entre Wilson
e Nenen, era de um companheirismo admirável e
incondicional. Para mostrar a
dedicação da Nenen para com ele, costumava contar que num certo dia ele caíra
ao descer a escada de casa, ficando imobilizado com uma pesada bateria de
caminhão sobre o peito. Chamou muito
pela Nenem e, como o socorro não vinha, conseguiu
com grande sacrifício safar-se sozinho e, ao procurá-la,
encontrou-a desmaiada pelo susto ao
ve-lo naquela situação. Depois ele ria em gozação dizendo que “não posso
dizer a Nenen que estou morrendo, tenho que avisar calmamente que já morri
para que ela não se antecipe e morra antes de mim”.