domingo, 3 de maio de 2020

WILSON VITAL DE MENDONÇA




     
 WILSON VITAL DE MENDONÇA meu irmão.                                             (27.07.1916/25.11.1971) 
       

Era o segundo dos onze filhos do primeiro matrimônio de meu pai.  Na época, os filhos mais velhos colaboravam na educação dos irmãos. O Wilson, junto com o Gerson, Jurandir e Otoniel, exerciam muito bem essa função.   Assim, ele foi um conselheiro habilidoso e firme, respeitado pelos irmãos mais novos, notadamente durante o tempo em que morou no casarão da numerosa família.  

 Na foto, o Wilson, a esposa Inês ( Nenen), a cunhada Irene Dutra com as filhas Vera Lucia e Gersirene. 

O Wilson, ainda muito jovem, trabalhou em Manaus para a firma Benzecry, tendo sido afastado por hanseníase, diagnóstico contestado, anos depois, pelo Dr. José Mendes que lhe prestou assistência por muito tempo, com dedicação espontânea de um verdadeiro amigo.  Ouvi pessoalmente do dr. José Mendes que o Wilson tinha uma doença degenerativa, cujo diagnóstico não recordo, acrescentando, na sua forma eloquente de falar, que rasgaria seu diploma se fosse hanseníase.   Dr. José, excelente médico, mudou-se com a família para Manaus quando eleito Deputado Estadual.   Era casado com Flavia Perales, saudosa irmã de minha atual querida esposa Lucia Perales Rabello.

Os irmãos Edson, Quitó e João Batista, passaram a morar com o Wilson em sua nova residência assim que ele casou com Ines Pereira Nicanor, a adorável Nenen.   Edson pouco ficava em casa pois viajava durante 4 a 6 meses, comprando madeiras no altos rios do Amazonas para a serraria do Sr. Araújo Costa, onde trabalhava.   João Batista foi o único dos irmãos que conseguiu prosseguir os estudos em Manaus, no Ginásio Amazonense, graças ao apoio financeiro do Wilson, portanto, só passava as férias em Itacoatiara.   O Quitó, o mais presente, residiu com ele até casar-se.  As duas únicas meninas, Tereza e Ermelinda, ao florescer da juventude foram para Boa Vista (RO), onde moraram com apoio dos manos Gerson e Pedro, até mudarem para Belo Horizonte.

Na minha infância, frequentei muito a casa do Wilson.  Imaginem a minha aventura ao tomar banho no Rio Amazonas aproveitando a época de grandes enchentes que chegavam a atingir sua casa, mesmo correndo o risco de ser atacado por peixes agressivos como piranha e candiru.        

   
                             Foto da Casa do Wilson, numa das enchente                               

             Wilson tinha um espírito alegre, carinhoso e demonstrava muita habilidade ao relacionar-se com as crianças.  Tinha prazer em lecionar Inglês, Contabilidade e Datilografia gratuitamente a quem demonstrasse interesse. Nos meus 12 anos de idade, estudei com ele um pouco de inglês. Não fui bom aluno, faltava às aulas, mas me fascinei com a palavra handkerchief, com a qual me exibia ao desafiar meus coleguinhas a traduzi-la. 

Ele era icentivador e colaborador das festas juninas que se encerravam com a procissão de canoas no igarapé que contornava uma grande  ilha,   formada por aningais e  outras plantas aquáticas, surgidas, ao longo do tempo,  no centro da  lagoa do bairro do Jauary, onde Wilson morava.   Essa procissão aquática tinha à frente a igarité-mor que conduzia o Padre, destacando-se, rodeada de flores, a imagem de São Pedro, o homenageado. A segunda e a terceira canoas eram destinadas aos músicos e aos cantores que entoavam músicas sacras.    A partir daí, a fila era formada por inúmeras outras canoas bastante enfeitadas com bandeirinhas e lanternas de papel colorido, lotadas de festivos devotos.   Ao cair da tarde, o povo se aglomerava nas ruas laterais para assistir a essa procissão, com músicas e luzes de velas ou lamparinas, que, nos centros dos balões de papéis coloridos, se transformavam em lanternas multicores, cujas luzes deslizavam cintilantes, refletidas nas plácidas águas do igarapé.  Ouvia-se, também, o toque dos remos, em ritmo cadenciado, provocando sons semelhantes ao de pratos instrumentais ao tocarem na água e de taróis ao baterem nas laterais das canoas,  como se fossem verdadeiros percursionistas integrantes da orquestra.              Era um espetáculo singelo e sublime, muitas vezes envolto em prata pela luz da lua, aumentando, assim, no povo que assistia, o sentimento de deslumbramento e de fé.    

                 Jovens nessa foto, o meu irmão mais velho, o Gerson (fardado) e o  Wilson,  o mais alto da família.

Segundo consta do blog do grande historiador amazonense, meu amigo Francisco Gomes, " Wilson foi   um  auto didata, repentista e poeta, idealizador da imensa boneca de pano, criada em 1953 pelo pescador e carnavalesco João Rosas (1920-2002), o popular João Bringela.   Intitulada inicialmente BONECA DO JAUARY, depois a TIA SUZANA e por último a BONECA DE PANO DO JAUARI que continua desfilando e, diz a crença, dá sorte no amor,  cura dores de cabeça, mau olhado e outros males que aflijam os participantes do bloco.    Lembra  o Francisco a letra de uma das marchinhas que o Wilson criou, penso eu,  em homenagem às benzedeiras:  Ela é parteira  / Põe desmentidura / Coze rasgadura / e trata de tonteira. "

Esse meu irmão tinha espírito empreendedor. Com poucos recursos de sua aposentadoria financiou inicialmente umas redes de pescar.  Mais ajudava os pescadores do que se beneficiava do ganhos que auferiam.  Depois, abriu ao fundo do quintal de sua casa, que dava frente para a rua de trás, uma pequena sapataria, confiando a gerência à então jovenzinha Nazaré, a Naza, que me fez a seguinte declaração em recente telefonema:    “Trabalhei na Sapataria do Sr. Wilson até casar-me em 07/10/1969,  aos 25 anos de idade, com Olavo Barros (*). O Sr. Wilson sempre dizia que eu era o braço direito dele.  Dona Nenen e ele eram umas pérolas de pessoas.  Devo a eles e sou eternamente grata pela oportunidade que me deram e que me permitiu comprar casa, móveis e ter minha independência.”

Wilson e Nenen não tiveram filhos.  Adotaram uma criança batizada com o nome de Inês.  A Inezinha, era tratada com todo mimo, mas,  segundo consta,  ao crescer não correspondeu ao amor que recebera e que eles sofreram muito com isso, tanto que a minha irmã Ermelinda, por gratidão ao carinho que recebera na infância,  mandou buscar a  Inês (Nenen), viúva e de muita idade,  de Itacoatiara para Belo Horizonte,  para que ela recebesse um tratamento condigno até o  final de sua vida.

O amor,  entre Wilson e Nenen, era de um companheirismo admirável e  incondicional.  Para mostrar a dedicação da Nenen para com ele, costumava contar que num certo dia ele caíra ao descer a escada de casa, ficando imobilizado com uma pesada bateria de caminhão sobre o peito.  Chamou muito pela Nenem e,  como  o socorro não vinha,  conseguiu  com grande sacrifício safar-se sozinho e, ao procurá-la, encontrou-a  desmaiada pelo susto ao ve-lo naquela situação.  Depois ele ria em gozação dizendo que  “não posso dizer a Nenen que estou morrendo, tenho que avisar calmamente  que já morri  para que ela não se antecipe e morra antes de mim”. 

(*)  Olavo Barros é por mim considerado como primo, por ser filho de Arico Barros, irmão de  Nunila, minha mãe de cria