PEDRO MENDONÇA JÚNIOR – meu irmão –
(25.12.1923 /13.04.1999)
Até meus
12 aos de idade, foi mantida em segredo minha adoção, pelo meu primo Floro e sua esposa Nunila. Assim, eu chamava meu pai consanguíneo de
Tio e, de primos os meus irmãos.
Certa manhã, entrei sozinho no salão onde guardavam os instrumentos. Achei feios uns elásticos num clarinete. Tirei todos. Pedro me flagrou e me deu uma bronca, depois conto as outras, pois aqueles elásticos substituíam molas danificadas.
A segunda, veio quase na mesma época. Eu fugia de casa para tomar banho nas “pedras”, um lugar aprazível, ao lado do bairro de Jauary, com bela arborização cortada por um caminho que nos levava a uma pequena praia. Pescadores desciam na corredeira do rio e retornavam no remanso, formando um círculo com suas canoas deslizando em alta velocidade. De uma ribanceira próxima, o pessoal que aguardava para comprar peixes, aplaudia o melhor lançamento das tarrafas que se abriam no ar como paraquedas e mergulhavam para retornar cheias de
Numa de suas viagens de Itacoatiara para Porto Velho, a bordo da embarcação N. S. de Nazaré, do Sr. Farid Semem Filho, conheceu a irmã dele, a bela jovem Ália Semen, nos seus dezessete anos de idade, que seguia para Bom Futuro do Acará, sua terra natal, município de Manicoré. Tempo depois dessa viagem, Pedro foi a casa do Sr. Farid e, sem rodeios, foi direto ao assunto perguntando: Ália, você quer casar comigo? Apesar de surpreendida com a pergunta, ela respondeu que sim. Depois, se perguntava receosa se não tinha sido precipitada eis que pouco conhecia o pretendente, apesar de que, no curto tempo em que conversaram na viagem, ter tido ótima impressão daquele jovem cavalheiro, educado, de boa conversa e respeitoso.
O certo é que ambos foram flechados pelo
Cupido, de forma certeira no alvo da paixão à primeira vista.
Um ano depois, 19 de março de 1950, estavam casados e fixaram residência em Boa
Vista, Território Federal do Rio Branco, onde passaram uma temporada morando
com d. Antonia Dutra, a dona Antonica, sogra do mano Gerson, enquanto estruturavam seu próprio
lar
Dessa a sólida união, tiveram 6 filhos: José (Zezinho) que morreu com 12 dias de nascido, por precariedade que existia no hospital de Boa Vista. A partir daí, o casal se deslocava para Manaus, onde nasceram Pedro Mendonça Neto, Samira e Maria da Conceição. Com a melhora da estrutura hospitalar, Ália aceitou que o Farid nascesse em Boa Vista. Entretanto, por se sentir mais segura, preferiu que a caçula Ana Maria nascesse em Manaus.
Pedro iniciou sua carreira em serviço público em 1952, entre os convocados para trabalhar na transição do Território Federal do Rio Branco para Território Federal de Roraima, que, em 1988, passou a ser o atual Estado de Roraima. Atuou como inspetor de Educação Indígena, visitando todas as tribos da área, com destaque aos Macuxis. Por sua maneira de ser, atencioso e acolhedor, recebeu para morar em sua casa, três jovens índios, dois da tribo Macuxis, o Manoel Beré e o Adelino que se alternavam na residência por pouco tempo, enquanto a Leonilia, da tribo Wapixana, permaneceu por alguns anos.
Ele exerceu várias funções no Palácio do Governo de Roraima, onde foi sempre muito elogiado e
reconhecido pela eficiência e assiduidade com que atuava principalmente na
contabilidade da Secretaria de Finanças do Território.
Entre tantas outras atividades, por muito tempo foi gerente do Cinema Boa Vista, administrador da Fazenda São Luiz, no encontro do Rio Tacutu com o Uraricoera. Como católico praticante, destacou-se como um dedicado lider no grupo atuante pela construçao da Igreja de São Francisco, foi padrinhjo da Imagem de São Pedro da Igreja Nossa da Conceição, na época a Matriz, e membro das congregações Vicentino de Paula e Mariano, até seus últimos dias.
Ainda em Boa Vista, trabalhou como guarda livros de uma grande empresa, Said S. Salomão, representou outras como Sapatos Vulcabrás, Mobiloi, o IAPC, Instituto de Aposentadoria dos Comerciários e foi Secretário na Associação Comercial de Roraima.
Nesse último emprego, sempre foi muito
elogiado, inclusive pessoalmente pelos Generais Geisel e Figueiredo, como um
dos melhores funcionários nos controles financeiros daquele órgão, razão por
que era o único civil, nos vários governos militares, a ser mantido num cargo
que, por norma, seria exercido por um major. Quando Presidente do SNI, o general Figueiredo chegou a aceitar
convite para almoçar em sua casa e desfrutar da excelente culinária da querida
cunhada Ália.
Certo dia, Pedro e Ália nos deram
o prazer de passar um dia conosco em Niterói. Em conversa após o almoço, Pedro comentou que trabalhara no SNI. Pra nossa surpresa, minha saudosa filha
Cristina, na época jovenzinha, perguntou-lhe: tio, então o Senhor era dedo
duro? Ele deu uma risada e respondeu: não, minha filha, eu sempre trabalhei apenas
na área contábil, onde eu era conhecido como Caxias por manter rigorosamente em
dia todo o meu serviço.
Pedro era um superador de desafios. Nesse período de SNI, com salários estagnados para o nível médio, decidiu estudar sozinho, de madrugada, visando concluir a faculdade para melhorar sua posição no plano de cargos e salários. Como só tinha o primário, num mesmo ano conseguiu ser aprovado no 1º e 2º Graus, valendo-se dos artigos 91 e 99 do código de diretrizes de base, e, logo em seguida, num concorrido vestibular da UFAM obteve mais uma aprovação, onde se formou com louvor em contabilidade. Pelos seus méritos, notas acima da média, ser o mais velho na classe, 55 anos de idade, e desfrutar de grande estima de seus colegas e professores, foi escolhido para ser o orador da turma.
Na foto ao lado, meu aniversário em junho 1992, ao lado dos saudosos manos Renato, Pedro, Edson e Jurandir.
Pedrinho me contou mais esta: Papai era carinhoso com todos os irmãos, principalmente com o seu querido mano Edson. Nas festas de aniversários, o papai pedia ao tio Edson, que era muito brincalhão e amigo das crianças, para não cantar a música da pescaria que a criançada se divertia ao repetir, cantando, apenas o final de cada verso. Acontece que a história musicada da pescaria terminava com as palavras: vagabunda e pirarucu, cujos finais, repetidos em coro soavam palavrões inaceitáveis pelo papai. Mas tio Edson nos avisava: “cantem baixinho porque o mano Pedro não gosta”. Realmente ninguém ousava dizer palavrão perto do papai que, embora fosse severo educador, tinha, junto com a mamãe, um coração de ouro. Ajudavam muito aos que deles precisassem.
Sou testemunha, por experiência própria, desse valor admirável desse meu irmão. Certa vez, insisti que ele comprasse minha eletrola para a lanchonete N. S. da Conceição, que abriu na rua Ipixuna, funcionando com o trabalho da Ália de dia e ele, de noite. Apesar da minha insistência, explicou-me o motivo de sua recusa: mano, eu não admito vender bebida alcóolica, mesmo sabendo que meu lucro seria bem maior, para evitar aglomeração de pessoas inconvenientes e a música pode se tornar um chamariz. Quando ele soube, por terceiros, que eu precisava vender para ajudar na despesa de viagem ao Rio para tratamento de saúde de minha esposa Juliana, ele me procurou e disse : mano, faço questão de te dar o dinheiro mas tu ficas com a eletrola. Com jeito, expliquei que isso não me seria confortável aceitar e ponderei que, com a eletrola, eu daria uma coleção de bons discos de músicas românticas, a gosto de público mais exigente, evitando a frequência que ele temia. Finalmente, sei que, na realidade, ele comprou a eletrola apenas para me ajudar.
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Por coincidência ou, acreditamos, por merecimento ao seu valor espiritual, Pedro teve a felicidade de receber a benção
presencial de um padre, no momento exato de sua passagem, desta para a outra
vida.
Pedro e Ália formavam um casal
exemplar, dedicado, disciplinador, amoroso e muito preocupado em fazer feliz,
um ao outro e, os dois, a todos os seus familiares e amigos ou conhecidos. Esses
valores se perpetuaram no grande exemplo assimilado pelos seus filhos que, com
certeza, estão transmitindo às novas gerações.