sábado, 5 de dezembro de 2020

PEDRO MENDONÇA JÚNIOR

 

PEDRO MENDONÇA JÚNIOR  – meu irmão –  (25.12.1923 /13.04.1999)

 

Até meus 12 aos de idade, foi mantida em segredo minha adoção,  pelo meu primo Floro e sua   esposa Nunila.   Assim, eu chamava meu pai consanguíneo de Tio e, de  primos os meus irmãos.

                   


      Durante minha infância tive boa convivência com o Pedro, depois ele foi para Manaus e, quando eu mudei para Manaus, já não o encontrei pois passou a residir em Boa Vista.   Esse desencontro em nada abalou a nossa relação fraternal. Em criança eu ia muito à casa de meu Pai Pedro, que eu chamava de tio Pedroca, curtia as brincadeiras com meus   primos, na verdade meus irmãos. Tomava banho de igarapé e ouvia os ensaios musicais deles num grande salão.  Pedro tocava Tuba, na orquestra dos Mendonças, assim conhecida em Itacoatiara porque eles eram maioria no grupo.   Nas festas cívicas, a orquestra se apresentava em palanques na praça pública.  Empolgado com o tamanho do instrumento que Pedro tocava, eu dizia aos amiguinhos que, se ele soprasse mais forte,     o som da Tuba seria igual a de um trovão e abafaria todos os demais instrumentos. 

 Certa manhã, entrei sozinho no salão onde guardavam os instrumentos. Achei feios uns elásticos num clarinete.  Tirei todos.   Pedro me flagrou e me deu uma bronca, depois conto as outras, pois aqueles elásticos substituíam molas danificadas. 

A segunda, veio quase na mesma época.  Eu fugia de casa para tomar    banho nas “pedras”, um lugar aprazível, ao lado do bairro de Jauary, com bela arborização cortada por um caminho que nos levava a uma pequena praia.  Pescadores desciam na corredeira do rio e retornavam no remanso, formando um  círculo com suas canoas deslizando em alta velocidade.       De uma ribanceira próxima, o pessoal que aguardava para comprar peixes, aplaudia o melhor lançamento das tarrafas que se abriam no ar como paraquedas e mergulhavam para retornar cheias de  

jaraqui. 
  Enquanto isso, do alto de uma árvore, agarrados num cipó, a garotada se lançava ao rio aos gritos de Tarzan, soltando-se na correnteza e boiando a tempo de alcançar as raízes de uma enorme árvore encalhada  paralelamente à praia, tudo isso numa aventura para desfrutar,  segurando nas raízes submersas, do prazer de ter o corpo massageado pela corredeira do rio.   Certa vez, errei o ponto de retorno e perdi o fio da correnteza que levava de volta à praia aqueles que, como eu, não sabiam nadar.  Um jovem me conduziu em suas costas e eu entendi fosse uma brincadeira.   Enquanto eu corria para um novo salto, o Pedro surgiu do nada, pegou-me pelo braço e me proibiu de repetir a aventura, falando-me do   risco de vida que eu ignorava.  Só ficou tranquilo quando me deixou na porta da minha casa. 

Desde cedo percebi que o Pedro era do tipo mais reservado, parecido com nosso pai, de poucas palavras, menos brincalhão, embora muito gentil.  Futebolista, era torcedor do Botafogo de Itacoatiara e do Rio de Janeiro e, bem mais tarde, já em Boa Vista, Roraima, foi sócio fundador do Barés Esporte Clube, onde jogou como zagueiro.   Ainda muito jovem começou a trabalhar com nosso pai, em contabilidade, na firma Araujo Costa em Itacoatiara.  Depois, passou a viajar em embarcações oferecendo a comerciantes do Rio Madeira produtos de sua representação, cuja atividade era chamada de  caixeiro viajante. 

 Numa de suas viagens de Itacoatiara para Porto Velho, a bordo da embarcação N. S. de Nazaré, do Sr.  Farid Semem Filho, conheceu a irmã dele, a bela jovem Ália Semen, nos seus dezessete anos de idade, que seguia para  Bom Futuro do Acará, sua terra natal, município de Manicoré.  Tempo depois dessa viagem, Pedro foi a casa do Sr. Farid e, sem rodeios, foi direto ao assunto perguntando: Ália, você quer casar comigo?  Apesar de surpreendida com a pergunta, ela respondeu que sim.  Depois, se perguntava receosa se não tinha sido precipitada eis que pouco conhecia o pretendente, apesar de que, no curto tempo em que conversaram na viagem, ter tido ótima impressão daquele jovem cavalheiro, educado, de boa conversa e respeitoso.     

O certo é que ambos foram flechados pelo Cupido, de forma certeira no alvo da paixão à primeira vista. Um ano depois, 19 de março de 1950, estavam casados e fixaram residência em Boa Vista, Território Federal do Rio Branco, onde passaram uma temporada morando com d. Antonia Dutra, a dona Antonica,  sogra do mano Gerson, enquanto estruturavam seu próprio lar











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   Dessa a sólida união, tiveram 6 filhos:   José (Zezinho) que morreu com 12 dias de nascido, por precariedade que existia no hospital de Boa Vista.  A partir daí, o casal se deslocava para Manaus, onde nasceram Pedro Mendonça Neto, Samira e Maria da Conceição. Com a melhora da estrutura hospitalar, Ália aceitou que o Farid nascesse em Boa Vista.   Entretanto, por se sentir mais segura, preferiu que a caçula Ana Maria nascesse em Manaus.


Pedro iniciou sua carreira em serviço público em 1952, entre os convocados para trabalhar na transição do Território Federal do Rio Branco para Território Federal de Roraima, que, em 1988, passou a ser o atual Estado de Roraima.   Atuou como inspetor de Educação Indígena, visitando todas as tribos da área, com destaque aos Macuxis.  Por sua maneira de ser, atencioso e acolhedor, recebeu para morar em sua casa,  três jovens índios, dois da tribo Macuxis, o Manoel Beré e o Adelino que se alternavam na residência por pouco tempo, enquanto a   Leonilia,  da tribo Wapixana, permaneceu por alguns anos.  

Ele exerceu várias funções no Palácio do Governo de Roraima, onde foi sempre muito elogiado e reconhecido pela eficiência e assiduidade com que atuava principalmente na contabilidade da Secretaria de Finanças do Território.

Entre tantas outras atividades, por muito tempo foi gerente  do Cinema Boa Vista,  administrador da Fazenda São Luiz, no encontro do Rio Tacutu com o Uraricoera. Como católico praticante, destacou-se como  um dedicado lider no grupo atuante pela construçao da Igreja de São Francisco, foi padrinhjo da Imagem de São Pedro da Igreja Nossa da Conceição, na época a Matriz, e membro das congregações Vicentino de Paula e Mariano, até seus últimos dias.

Ainda em Boa Vista, trabalhou como guarda livros de uma grande empresa, Said S. Salomão, representou outras como Sapatos Vulcabrás, Mobiloi, o IAPC, Instituto de Aposentadoria dos Comerciários e foi Secretário na Associação Comercial de Roraima.

 Um parêntese. Vejam mais um episódio entre mim e Pedro. Por volta do ano de 1966, recebi dele uma carta vinda de Boa Vista, de três páginas, caligrafia esmerada, elogiando nossa educação, a união familiar e o carinho que nutria por mim, ressaltando que a primeira coisa que fez foi procurar ansiosamente, junto à estranha encomenda que eu lhe enviara, a carta que não lhe escrevi.  Acrescentou, porém, que ficara muito triste e bastante decepcionado com a minha atitude por lhe ter enviado tão inusitada encomenda, valendo-me da boa vontade de um dos seus melhores amigos.   Só aí eu soube que dois jovens brincalhões resolveram pregar uma peça num gentil cidadão, de uns 50 anos de idade, que em conversa nos poucos dias de hospedagem na mesma pensão onde residíamos, dissera que jamais levava encomenda quando viajava de avião, fosse para quem fosse. Sem que eu soubesse, resolveram testar se ele recusaria levar uma encomenda, dizendo a meu pedido, ao que ele respondeu: “Vejam bem, só abrirei esta exceção porque é um pedido do irmão de meu maior amigo a quem eu jamais negaria um favor”. Tive que justificar ao Pedro, em minuciosa carta, que eu tinha sido vítima de uma brincadeira, inadmissível e de extremo mau gosto, armada por meus dois “mui amigos”, pois eu jamais lhe mandaria um embrulho cujo conteúdo era um paralelepípedo.

 Pedro foi transferido para a Representação de Roraima atuando na área de finanças, em Manaus. Depois, no ano de 1970, foi lotado no SNI - Serviço Nacional de Informação, onde ficou até os 70 anos de idade, quando se aposentou por problemas na vista.   

Nesse último emprego, sempre foi muito elogiado, inclusive pessoalmente pelos Generais Geisel e Figueiredo, como um dos melhores funcionários nos controles financeiros daquele órgão, razão por que era o único civil, nos vários governos militares, a ser mantido num cargo que, por norma, seria exercido por um major.  Quando Presidente do SNI, o general Figueiredo chegou a aceitar convite para almoçar em sua casa e desfrutar da excelente culinária da querida cunhada Ália.

Certo dia, Pedro e Ália nos deram o prazer de passar um dia conosco em Niterói. Em conversa após o almoço,  Pedro comentou que trabalhara no SNI.  Pra nossa surpresa, minha saudosa filha Cristina, na época jovenzinha, perguntou-lhe: tio, então o Senhor era dedo duro?   Ele deu uma risada e respondeu:   não, minha filha, eu sempre trabalhei apenas na área contábil, onde eu era conhecido como Caxias por manter rigorosamente em dia todo o meu serviço. 

 Pedro era um superador de desafios.  Nesse período de SNI, com salários estagnados para o nível médio, decidiu estudar sozinho, de madrugada, visando concluir a faculdade para melhorar sua posição no plano de cargos e salários.  Como só tinha o primário, num mesmo ano conseguiu ser aprovado no 1º e 2º Graus, valendo-se dos artigos 91 e 99 do código de diretrizes de base, e, logo em seguida, num concorrido vestibular da UFAM obteve mais uma  aprovação, onde se formou com louvor em contabilidade.  Pelos seus méritos, notas acima da média, ser o mais velho na classe, 55 anos de idade, e desfrutar de grande estima de seus colegas e professores, foi escolhido para ser o orador da turma.

   Depois de sua formatura, novo desafio o esperava: a implantação de serviços de computação nas repartições públicas. Imaginem que, de um modo geral, as pessoas com mais de 50 anos de idade, tinham verdadeiro pesadelo e desistiam diante do complicadíssimo sistema utilizado na época.   Como só poderia continuar no cargo quem estivesse apto, Pedro não se intimidou e aceitou participar do curso que o SNI ofereceu, em Brasília, a servidores em todo o Brasil.  Sua esposa e filhos ficaram muito apreensivos durante os três dias incomunicáveis de duração do curso, até receberem um telefonema do SNI e vibrarem com os parabéns dados pelo bom desempenho e aprovação do PEDRO, como um dos primeiros colocados no curso. Mais uma vitória inesquecível.


Na maioria das vezes, tenho procurado resgatar a memória de meus irmãos, baseado na convivência que tive com eles, a partir de minha juventude mas, agora,  devo ao meu querido sobrinho Pedro Mendonça Neto, que disse ter sido auxiliado por seus irmãos, a grandiosa colaboração ao me ter enviado quase todo o conteúdo  que permitiu enriquecer substancialmente este texto.  

 Na foto ao lado, meu aniversário em junho 1992, ao lado dos saudosos manos Renato, Pedro, Edson e Jurandir.

Pedrinho me contou mais esta: Papai era carinhoso com todos os irmãos,  principalmente com o seu querido mano Edson. Nas festas de aniversários, o papai pedia ao tio Edson, que era muito     brincalhão e amigo das crianças, para não cantar a música da pescaria que a criançada se divertia ao repetir, cantando, apenas o final de cada verso. Acontece que a história musicada da pescaria terminava com as palavras: vagabunda e pirarucu, cujos finais, repetidos em coro soavam palavrões inaceitáveis pelo papai.  Mas tio Edson nos avisava: “cantem baixinho porque o mano Pedro não gosta”. Realmente ninguém ousava dizer palavrão perto do papai que, embora fosse severo educador, tinha, junto com a mamãe, um coração de ouro.  Ajudavam muito aos que deles precisassem.

 Sou testemunha, por experiência própria, desse valor admirável desse meu irmão.  Certa vez, insisti que ele comprasse minha eletrola para a lanchonete N. S. da Conceição, que abriu na rua Ipixuna, funcionando com o trabalho da  Ália de dia e ele, de noite.   Apesar da minha insistência, explicou-me o motivo de sua recusa:   mano, eu não admito vender bebida alcóolica, mesmo sabendo que meu lucro seria bem maior, para evitar aglomeração de pessoas inconvenientes e a música pode se tornar um chamariz.    Quando ele soube, por terceiros, que eu precisava vender para ajudar na despesa de  viagem ao Rio  para tratamento de saúde de minha esposa Juliana, ele me procurou e disse : mano, faço questão de te dar o dinheiro mas tu ficas com a eletrola.  Com jeito, expliquei que isso não me seria confortável aceitar e ponderei que, com a eletrola, eu daria uma coleção de bons discos de músicas românticas, a gosto de público mais exigente, evitando a frequência que ele temia.  Finalmente, sei que, na realidade, ele comprou a eletrola apenas para me ajudar.

 
 Por coincidência ou, acreditamos,  por merecimento ao seu valor espiritual,  Pedro teve a felicidade de receber a benção presencial de um padre, no momento exato de sua passagem, desta para a outra vida.

Pedro e Ália formavam um casal exemplar, dedicado, disciplinador, amoroso e muito preocupado em fazer feliz, um ao outro e, os dois, a todos os seus familiares e amigos ou conhecidos.    Esses valores se perpetuaram no grande exemplo assimilado pelos seus filhos que, com certeza, estão transmitindo às novas gerações.