sábado, 4 de junho de 2016

Minha infância

Sempre viajávamos entre Itacoatiara e Manaus. Vale recordar os navios “gaiolas” como o Moacir, o Barão de Cametá, o Jupiter  e tantos outros que subiam o rio Amazonas  de Belém até Manaus fazendo regatão, isto é,  vendendo  farinha de mesa e de trigo,açúcar,café,  manteiga, conservas em lata- sardinhas e corned-beef,   sal, cimento, sapatos,tecidos, sabonetes, perfumes,  muita cachaça e outras mercadorias às cidades intermediárias e aos comerciantes ribeirinhos. Retornavam descendo o rio comprando produtos regionais dentre eles pirarucu fresco e seco, couros salgados de boi e de jacarés, de onças pintadas ou  maracajás, de peixe-boi ou ariranha, borracha, balata, sorva, coquirana e lenhas para as caldeiras dos navios a vapor. Quando meu pai não conseguia camarotes nesses navios, viajávamos em  redes que roçavam  nas outras, na superlotação de  passageiros,  disputando espaço cumprindo regras não escritas e com respeito natural.  Em outras ocasiões, viajávamos em navios de cabotagem, os Loyds, Baependi, Campos Sales,Visconde de Mauá,um dos mais luxuosos que conheci,  que faziam viagens do Sul ao Norte, levando até Manaus passageiros e mercadorias diversas, retornando igualmente com produtos regionais mais madeiras em toras ou tábuas.  Numa dessas viagens a Manaus, aos 2 para 3 anos de idade,  eu estava sentado em uma cadeirinha à porta de casa na avenida Epaminondas, próximo ao 27 BC do Exército.   A menina-moça que zelava por mim entrara em casa por algum motivo, deixando-me sozinho,  justo no momento em que passava a procissão de N. S.da Conceição, a padroeira.  Quando ela voltou e viu a cadeira vazia, correu para avisar e participar do pânico em família.  Muitos correram em várias direções, retornando tristes sem me encontrar. Meu pai procurou um único rádio da cidade, mas não havia quem pudesse noticiar aos ouvintes, os poucos que tinham recursos para ter em casa  um rádio.  Membro da família e amigos se dividiam pelos quarteirões ao redor. Minha mãe,  caminhava sem rumo certo pelas ruas de Manaus, ao tempo em que rezava o terço confiante de que me encontraria. Andou uns três quarteirões em direção ao centro e uns quatro à direita,  se distanciando da igreja Matriz. Ao final de uma grande praça, a D. Pedro,  ficou em dúvida para qual rua seguir,  da direita, Bernardo Ramos,  ou da esquerda, ambas sem vi’valma  naquelas oito horas da noite de domingo.   Algo lhe sugeriu descer a rua da esquerda.  Seu instinto maternal a fez caminhar bastante em direção a uma casa com tênue iluminação saindo pela  janela. Parou em frente. Pôs-se a escutar umas moças que batiam palmas e riam muito alto.  Num minuto de silêncio bateu na porta. Uma das moças veio atende-la ainda sorrindo. As outras continuavam batendo palmas e rindo alto ao redor de uma mesa com uma criança ao centro. Minha mãe lançou-se para mim como uma gata,  sem pedir licença às pessoas que me rodeavam, gritando é  meu filho! As jovens pediram calma, explicaram que me encontram perdido na multidão, que não viram ninguém procurando por uma criança  que, solicitamente,  lhes deu a mão e as acompanhou. Todas solteiras, não tinham intenção de ficar comigo. Minhas protetoras  me tinham abarrotado com  leite, biscoito e banana, antes de eu começar a fazer gracinhas.  Meus filhos hoje dizem que eu sou meio vira-lata, por me adaptar em qualquer lugar... Acho que eles têm razão. Desde pequenininho.       

2 comentários:

  1. Tio, quão bom é ficar imaginando como foi essa realidade que você viveu junto ao meu avô!!! Lindas lembranças!!!

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  2. Tio, quão bom é ficar imaginando como foi essa realidade que você viveu junto ao meu avô!!! Lindas lembranças!!!

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